quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Crítica de "Uma noite em 67"







Céticos ao documentário jornalístico, abaixem as armas. Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, não inventa a roda cinematográfica, mas faz com que ela gire muito bem para contar uma história: a dos festivais musicais na televisão.

Era uma vez, 1967. A TV Record detinha praticamente todo o staff da MPB. Não havia internet nem compartilhamento de músicas. Também não havia video tape e os programas eram ao vivo. Existia, então, o Festival da Música Popular Brasileira, que reuniu durante a década de 60, nomes como Elis Regina, Caetano Veloso, Edu Lobo, Gilberto Gil, Jair Rodrigues, Chico Buarque e por aí vai. Tempos em que a MPB tinha mais penetração popular e não era sinônimo de música para classe média.

Uma Noite em 67 recria a terceira edição do evento, que premiou Ponteio, de Capinam e Edu Lobo. Ricas imagens da época, obtidas na Record, constroem a base narrativa para que as entrevistas tragam o passado ao presente.

Dá para se descobrir várias coisas a partir do documentário. Talvez, a mais imediata, perceber como a televisão era, ao mesmo tempo, amadora e sofisticada. Amadora porque a câmera se mantinha a uma distância praticamente quilométrica quando Cidinha Campos e Randal Juliano entrevistavam os artistas nos bastidores. Músicos passavam à frente dos colegas que se apresentavam. O diretor do programa teve que ir ao hotel resgatar um cantor bêbado (Gil) e apavorado de subir no palco.

Mas, sofisticada também, tamanha a inteligência da decupagem, com traços cinematográficos. Ousada por fazer um programa (sim, os festivais da Record foram criados como atrações da TV) com tanta gente boa da música. Criativa por ter de lidar com os improvisos e descontroles dos artistas – por exemplo, Sério Ricardo, da canção Beto Bom de Bola, atirar o violão na plateia que o vaiava.

Outro pulo do gato de Uma Noite em 67 é colocar a terceira edição do Festival como o salto para a veiculação (nos termos de Caetano Veloso) da Tropicália, a maior transformação musical brasileira. Desse momento, sai a discussão mais rica (e engraçada) do filme: o uso da guitarra.

Sim, caros fãs de Nação Zumbi, antes da antena no mangue ou o eletrônico ao lado da zabumba, ouve um momento em que a guitarra simbolizava aderir ao imperialismo norte-americano. A forma de resistência sera reforçar o que seria brasileiro de fato, o violão acústico. Uma Noite em 67 nos lembra que houve até uma passeata, em plena ditadura militar, com o lema “Abaixo à guitarra”. Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré, era o caminho a ser seguido.

Porém, se Uma Noite em 67 tem um trabalho de pesquisa firme e uma estrutura narrativa eficaz, o filme de Calil e Terra esqueceu-se de um detalhe: o Brasil vivia sob ditadura militar. A não ser por uma frase aqui, outra ali, vinda de algum depoimento, passa em branco como os milicos enxergaram o evento. Consideravam alienação das massas e um instrumento para mantê-las calmas? Temiam as ideias dos cabeludos que se apresentavam? Enfim, como o poder ditatorial, ainda que mais brando pois o AI-5 ainda não tinha sido imposto, enxergava aquele circo místico?

De resto, o filme chega firme ao seu objetivo: contribuir na construção da memória, o que não é pouco. Aos mais velhos, dará o gosto de relembrar um tempo que passou, enquanto aos mais jovens constroi um capítulo importante do que somos hoje.

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